Lacan em diversos momentos de seu ensino nos adverte que o analista opera a partir de sua falta-a-ser. Como entender isso? Ouvimos muito que o analista é uma função, que ele deve apagar-se como pessoa, ocupando o lugar do morto, propiciando, assim, o surgimento do sujeito do inconsciente do lado do analisante. Com isso, surgem algumas questões: se o analista numa análise está como objeto e não como sujeito, como podemos falar em desejo do analista? E se esse desejo não se refere a um sujeito, como diferenciá-lo do desejo de ser analista?
No Discurso na Escola Freudiana de Paris (1967, p.271), Lacan afirma: “unicamente do ato psicanalítico, que é preciso situar o que articulo sobre o “desejo do psicanalista”, que nada tem a ver com o desejo de ser psicanalista”. Ele difere aqui o que chama de desejo do analista como operador de uma análise, de um outro desejo ligado a uma escolha profissional e que estaria em jogo em muitas das análises empreendidas pelos pós-freudianos. Segundo o francês, esses psicanalistas, ligados de certa forma à psicologia do ego, trabalhariam no eixo imaginário, respondendo aos sujeitos a partir de sua posição também de sujeitos, e por isso, suas diversas críticas à noção de contratransferência. O que estaria em jogo nessas posições seria tomar-se como modelo egoico ou superegoico, chegando a produzir novos analistas “a sua imagem e semelhança”.
Daí adviriam as excessivas preocupações com o setting e com a neutralidade do analista, que para Lacan de nada adiantariam, visto que esse controle não desbastaria a proeminente figura do analista, seu exercício de poder e sugestão, utilizados como parâmetro para as interpretações. O desejo de ser analista, nesses casos, ocuparia um lugar que deveria ser preservado, a fim de que o desejo do verdadeiro sujeito em uma análise, o analisante, viesse a se produzir. Mais que isso, quando Lacan propõe o desejo do analista como contraponto ao desejo de ser analista, ele busca não apenas referir-se às análises pessoais, mas a própria formação em psicanálise. Que alguém chegue ou saia de uma análise querendo ser analista, isso não é, em si, um problema. A questão é como esse desejo se endereçará ao trabalho analítico, seja na particularidade dos consultórios, seja no fazer institucional. Como esse desejo estará concernido ou não com a Causa Freudiana, causa da qual Lacan nunca desistiu.
O desejo do analista, nessa medida, não será apenas o produto de um percurso de análise, mas também produto da reflexão e afetação de cada um em seu vínculo com a psicanálise, em suas relações de pertencimento institucionais. Isso implica que ao atender pessoas, seu verdadeiro ofício, o analista entenda que ele encontra-se constantemente numa posição paradoxal: ele está ali, com seus sentimentos, sua neurose, seus valores, mas não é dali que irá intervir. Lacan, em Televisão, chega a dizer: “tomem meu exemplo e não me imitem! O sério que me anima é a série que vocês constituem, vocês não podem ao mesmo tempo pertencer e ser”. Ao produzir série, a seriedade está em como cada um recolocará seu desejo, a fim de que o concernimento coletivo com a psicanálise prevaleça sobre as individualidades, sendo exatamente esse desejo advertido e implicado o operador do ofício ao qual nos propomos.