O papel das instituições na formação do analista

Tem sido cada vez mais frequente observar uma postura diferente dos analistas quanto ao papel das instituições em nosso campo. Às vezes sem se dar conta, ou mesmo entendendo o que está em jogo, acabamos por reproduzir um rechaço ao que ingenuamente chamamos de instituição. Por um lado, é importante situar que parte desse desinteresse se refere à constatação de que os modelos de Escola – e é preciso entender a diferença entre Escola e instituição – estão cada vez mais apresentando uma certa forma de engessamento, um comprometimento forte com o conservadorismo e uma impenetrabilidade crítica. Muitas Escolas permanecem reproduzindo uma mesma linha de produção e funcionamento. Acontece que esse é o lado mais ou menos coerente da crítica. Onde ela falha é quando não consegue reconhecer a centralidade das instituições para o convívio e identidade, coletiva e pessoal.


É bastante curioso notar, também, que aparece mais uma vez com força um sistema que reproduz uma lógica de mercado. Os mesmo que vociferam que não precisam de “instituições”, que essas não oferecem garantias, que são dogmáticas, são os que se aproveitam de uma miríade de oportunidades de cursos, palestras e grupos das mais diversificadas Escolas. O que fica óbvio é mais uma vez o lugar do analista consumidor em formação. Não há qualquer processo de engajamento e identificação com o ambiente, há apenas demanda por um produto que sirva aos propósitos de acrescentar conhecimento, ou contatos. E, como bons consumidores que nos tornamos, a nós cabe apenas exigir cada vez mais um produto que atenda às nossas demandas, que seja cada vez mais orientado para o que todos estão falando ou consumindo.


O que realmente fica obliterada é a necessidade de construção de uma identidade que passe pelo trabalho e pela participação efetiva. Claro que isso impõe grandes limitações: “como vou me ater a apenas uma ou duas Escolas? Posso estar perdendo o grupo de estudos X ou Y de fulano!” E, realmente, é difícil enfrentar esse problema, já que o discurso vigente reforça que não há garantia senão aquela que você faz por si mesmo. Mas a noção de instituição deve ser entendida de um modo muito preciso: são hábitos de pensamento e ação que implicam a constituição efetiva de uma determinação coletiva e individual na sociedade. E o ponto central é que todos nós estabelecemos hábitos e formas de nos relacionar que nos organizam organicamente. Contudo, é importante lembrar que instituições são históricas, resultado da ação humana, e refletem o desejo de um corpo social. É por isso que transformar aquilo que nos determina passa por uma ação direta, não por uma suposta negação de sua essência. Até porque a negação tem essa estranha consequência: trazer a ilusão de uma natureza de sociabilidade que, na verdade, apenas reproduz a lei severa do mercado, como já assinalamos acima.


Em razão desse panorama, seria bastante profícuo resgatar um pensamento que tenha como objeto a maneira pela qual constituímos identidade em função das relações através das quais nos particularizamos em um contexto global. E por aqui vale ainda adiantar que a construção daquilo que julgamos serem características do nosso pertencimento social não se dá sem uma complexa definição de valores que orientam o sentido da nossa ação e da nossa relação com os demais núcleos de psicanalistas. Em suma, a criação de uma identidade coletiva passa necessariamente pela criação de antagonismos e dissidências, e esse é um dos fatores que respondem diretamente à natureza política do problema. Essa identidade coletiva só será possível se nos engajarmos nos grupos aos quais pertencemos, fora da saída que ora nega a relevância das instituições por serem engessadas, ora opta por um self-service que permite a falta de comprometimento real com o reconhecimento coletivo dos problemas de nosso campo.

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