Tendemos a achar que no começo da clínica nosso maior problema é não ter uma educação financeira. Quanto a isso, diz-se que é urgente realizar cursos de finanças voltados para psicanalistas que nos ensinem como e quanto cobrar, como organizar nossa agenda e como avaliar custos. O problema é que quando fazemos isso de maneira automática deixamos de ter clareza que, como trabalhadores autônomos, em uma sociedade neoliberal, estamos fadados à instabilidade financeira. A ideologia nos faz crer, no entanto, que se algo vai mal nessa esfera a culpa é nossa por não termos realizado uma gestão financeira adequada.
Contudo, é preciso ser claro: não é uma boa gestão que vai nos trazer estabilidade. Tais cursos, que inadvertidamente reproduzem a lógica neoliberal, acabam apagando do cenário contingências sociais e políticas fundamentais. Eles sustentam a ilusão de que se você domina uma técnica de autogestão, se é organizado e esforçado, você, como autônomo, terá previsibilidade e um certo controle sobre o quanto ganhará ao final do mês, ou pior, que seu sucesso só irá aumentar.
Ao nosso ver, existe um vácuo para uma discussão séria sobre esse problema que começa já nas escolas, mas que adentra nos cursos universitários, incluindo aqui o de psicologia. Ora, não só as crianças estão sendo expostas cada vez mais cedo à uma série de técnicas de autogestão, como também os jovens adultos estão vendo a sua grade curricular universitária ser invadida por toda uma série de disciplinas que pretendem preparar o futuro profissional para a lógica do mercado e todos os seus ritos.
O que é importante notar é que essa incorporação se apresenta como necessária, posto que se apoia na transmissão de um saber supostamente objetivo e pragmático. Os números são o que são, portanto, o estudante precisa lidar de maneira realista com os desafios que o esperam. A psicanálise historicamente não está presente nas universidades como uma formação no sentido amplo e oficial do termo, mas isso não quer dizer que ela não sofra influência desses discursos gerencialistas, principalmente se considerarmos que muitos psicanalistas também são psicólogos.
É nesse cenário que somos frequentemente jogados nos estágios em clínica sem saber o básico para atender alguém, e quase nunca se fala sobre a questão do funcionamento dos honorários. Não tendo uma discussão séria nas Universidades, estágios e supervisões sobre o começo da clínica e sobre a relação de nosso fazer com a política, somos tragados por um discurso, já há muito naturalizado, que afirma que nosso maior problema é não saber sobre finanças.
Curiosamente, há quem também diga que os cursos de gestão financeira são uma forma de fazer frente ao flagrante elitismo da psicanálise, que não teria consideração com analistas pobres. Tais cursos seriam, nesse sentido, a saída mestra para que os analistas oriundos de camadas populares possam se munir de ferramentas que os protejam da insegurança econômica que os analistas nascidos em berço de ouro não precisam lidar. No entanto, com isso ignoramos que a racionalidade neoliberal ventilada nesses espaços em nada está engajada com a luta histórica dos trabalhadores.
Muito pelo contrário, ela é uma resposta programática específica que visa neutralizar a solidariedade de classe em nome de uma gestão puramente individual do problema. E é importante aqui ressaltar que o empreendedorismo é uma resposta muito concreta para um problema que se apresenta de maneira inegável, qual seja: a já mencionada instabilidade incontornável que marca a vida do trabalhador assalariado no capitalismo financeiro. Com efeito, a questão que queremos ressaltar é que o empreendedorismo é uma tática que coloca uma questão imediata em ênfase (dinheiro), minando a possibilidade de se entender a mediação e os mecanismos por trás daquilo que rege o mercado e a venda da força de trabalho. Eis o mote neoliberal: “é a economia, estúpido!”.
No nosso entendimento, a resposta não está em reforçar ainda mais toda essa lógica, mas em oferecer um panorama realmente crítico. E um que parta da desnaturalização de práticas e hábitos enrijecidos em nossos meios. Em seguida, cabe reforçar que a saída efetiva não se dá sem coletivização da luta por direitos, que envolva a construção de uma base de distribuição e remuneração dos trabalhadores psi como um todo. Trabalhar todos, trabalhar menos, distribuir tudo.
E, reforçamos, é urgente que isso seja discutido nos espaços de formação, porque essa angústia frente às condições do nosso trabalho não pode ser tomada como individual. Ademais, cabe reconhecer de uma vez por todas que não estamos diante de um problema de ordem econômica, mas sim de caráter político. Isso implica na exigência de uma postura que entenda a tarefa de trazer à tona a realidade política e a dimensão da divisão de poder que se esconde por detrás da recorrente financeirização de nossa prática.