É uma evidência que, no nosso meio, sustentamos a independência não só teórica, mas também institucional da psicanálise em relação à psicologia. Aprendemos a dizer que, a rigor, não precisamos passar por uma faculdade de psicologia (embora a grande maioria de psicanalistas tenha feito assim). Aprendemos também a sugerir que nosso aparato teórico é radicalmente distinto, uma vez que lidamos com o inconsciente e não com o Eu, ou com a consciência. Também acreditamos que temos um diferencial que fala por si mesmo que seria a nossa ética, também ela em franca oposição à psicologia. Esta, por sua vez, visaria o bem dos que procuram tratamento quando, por outro lado – todo mundo sabe – nós, analistas, não podemos querer o bem de alguém.
Em futuras ocasiões iremos falar do completo disparate, tanto em termos éticos quanto conceituais, que é sustentar essa condição de completa separação. Mas, para um início de conversa, cabe registrar que o que está implícito aí é a marca de um posicionamento político que assevera nossa completa emancipação frente às normas institucionais do campo da psicologia. Ora, isso não é importante? Para aqueles que querem manter o poder e o controle da prática que desempenham e das regras do campo em que se inserem, sem dúvida. Ainda mais quando se almeja ausentar-se do debate público sobre as justificativas do que se faz e produz.
Acontece que esse gesto está equivocado por dois motivos. Primeiro, por produzir uma redução pueril da complexidade das práticas psi, homogeneizando suas teorias como se todas falassem a mesma coisa e tivessem os mesmos protocolos técnicos. E segundo, por perigosamente retirar a psicanálise do registro social.
Não nos enganemos, o que determina que a psicologia seja objeto de disputa pública e política é o seu caráter democrático que se sustenta no reconhecimento republicano de suas instituições de ensino e fomento. Quando afirmamos independência do que fragilmente chamamos de psicologia estamos inadvertidamente, ou conscientemente, propagando elitismo da pior espécie. Trata-se de uma manobra que no limite procura constituir um espaço de excepcionalidade onde apenas alguns iniciados podem efetivamente decidir sobre os rumos das instituições que transmitem a psicanálise. Ao mesmo tempo, o seleto grupo vira o rosto, dá de ombros e grita palavras de ordem contra todos os chamados “desvios da verdadeira psicanálise”, que proliferam cada vez mais no seio da sociedade brasileira: psicanálise quântica, psicanálise cristã etc. Esse tipo de atitude é a negação por excelência de um problema que atravessa nosso campo e que está longe de ser resolvido. Ao invés de viabilizar um encaminhamento que coloque a psicanálise efetivamente no debate público, contestações performáticas como “isso não é psicanálise de verdade!” só demonstram a raiva dos exegetas diante das falhas de seu domínio. Será que a postura não deveria ser outra, a saber: por que aparecem fenômenos como a psicanálise quântica ou a cristã? Sob quais pressupostos erigimos nossas instituições?
Quando de fato aparece na sociedade, é como saber esotérico que a psicanálise tem seu lugar. Ora, talvez tal esoterismo seja uma face do próprio elitismo que retira a psicanálise do debate público de maneira franca. Debater a formação psicanalítica, bem como as instituições, de maneira exotérica talvez interesse mais a qualquer psicanalista que pretenda situar a psicanálise de outra maneira no domínio público.